Resenha | Qualitative research methods: when to use them and how to judge them
- Alana, do Acadêmicos Anônimos
- 24 de mar.
- 3 min de leitura

Este artigo conciso publicado na Human Reproduction em 2016 é uma defesa lúcida e necessária da legitimidade da pesquisa qualitativa no campo da saúde, especialmente na área da reprodução assistida - mas serve para qualquer campo de pesquisa.
O texto se estrutura como um comentário crítico às diretrizes publicadas pela ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embryology), que, mesmo reconhecendo a relevância dos estudos qualitativos para compreender a vivência da infertilidade, optaram por excluir essa abordagem da formulação oficial de recomendações clínicas.
Os autores levantam um ponto central: excluir os métodos qualitativos com base em critérios de “objetividade” equivale a desconsiderar toda uma dimensão do conhecimento que não pode ser contada ou medida, mas que é real, sentida e vivida.
Por que usar métodos qualitativos?
O artigo diferencia de forma didática os momentos em que cada abordagem deve ser aplicada:
Métodos quantitativos são apropriados quando se busca dados objetivos, frequências, percentuais, correlações, hipóteses pré-formuladas.
Já os métodos qualitativos são indispensáveis quando queremos compreender experiências subjetivas, significados, dilemas morais, tensões afetivas, trajetórias individuais ou sociais.
A pergunta-chave é: o que você quer saber?
Se a resposta envolve vivências, valores, relações e sentidos, então o método qualitativo não é apenas adequado: ele é necessário.
Exemplos práticos que sustentam a argumentação
Os autores oferecem exemplos concretos de estudos qualitativos que trouxeram insights fundamentais para a prática clínica:
Adolescentes refletindo sobre como prefeririam ser informados de que foram concebidos por doação de gametas (Kirkman et al., 2007)
Profissionais da área reprodutiva discutindo a aplicação do princípio de bem-estar em clínicas de fertilização (de Lacey et al., 2015)
Entrevistas com pais em famílias homoafetivas sobre os significados atribuídos ao doador de esperma (Wyverkens et al., 2014)
Esses estudos não cabem em intervalos de confiança. Mas geram conhecimento com impacto direto na ética, na comunicação e no cuidado com os sujeitos envolvidos.
Como avaliar uma boa pesquisa qualitativa?
Aqui está uma das grandes contribuições do artigo: quebrar o mito de que a pesquisa qualitativa não pode ou não deve ser avaliada com rigor. Os autores propõem quatro critérios fundamentais:
Critério | O que observar |
Confiança (trustworthiness) | Clareza na descrição dos métodos, decisões e procedimentos. |
Credibilidade | Os resultados fazem sentido para quem vive a experiência descrita. |
Aplicabilidade | Os achados podem ser transferidos para contextos similares. |
Consistência | As interpretações se sustentam nos dados apresentados; busca por “casos negativos”. |
O artigo destaca que o pesquisador é o instrumento na pesquisa qualitativa, e que isso não enfraquece a ciência — apenas exige outro tipo de ética, de atenção e de transparência.
Conclusão
Este artigo é leitura obrigatória para quem atua com pesquisa na área da saúde, ciências humanas ou sociais. É uma defesa técnica, ética e epistemológica da importância de produzir, ler e revisar pesquisas qualitativas com o mesmo rigor que se exige das quantitativas, ainda que esse rigor seja de outra natureza.
O texto não apenas reivindica o espaço da pesquisa qualitativa na produção científica, mas também oferece um guia de leitura crítica e avaliação, o que o torna especialmente útil para:
Pós-graduandos em processo de escolha metodológica
Orientadores e pesquisadores interdisciplinares
Avaliadores de periódicos e pareceristas
Qualquer pessoa interessada em entender como a ciência lida com a complexidade humana
🔗 Referência completa:
Hammarberg, K., Kirkman, M., & de Lacey, S. (2016). Qualitative research methods: when to use them and how to judge them. Human Reproduction, 31(3), 498–501.https://doi.org/10.1093/humrep/dev334
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