
A definição do tamanho da amostra é um desafio tanto em pesquisas quantitativas quanto qualitativas. Em estudos qualitativos, essa decisão se torna ainda mais complexa, pois não há um número fixo de participantes que garanta a qualidade dos resultados.
Tradicionalmente, então, muitos pesquisadores utilizam o conceito de saturação – ou seja, o ponto em que novas coletas de dados não trazem informações significativamente novas. No entanto, será que essa abordagem é realmente suficiente para definir uma amostra qualitativa suficiente?
Nos últimos anos, diversos estudos questionaram essa prática, alertando para os riscos de confiar exclusivamente na saturação. Vamos explorar essas críticas e entender por que uma abordagem mais criteriosa pode ser necessária.
O conceito de saturação e suas limitações
Na grounded theory, a saturação teórica é definida como:
“O ponto em que a coleta de mais dados sobre uma categoria teórica não revela novas propriedades nem fornece mais insights sobre a teoria emergente.” (Charmaz, 2014, p. 345)
De maneira mais ampla, Morse (1995) descreve a saturação como:
“A adequação dos dados, ou seja, coletar dados até que nenhuma nova informação seja obtida.” (p. 147)
Esse conceito tem sido amplamente aceito, mas apresenta pontos a refletir. Como discutido por Braun & Clarke (2019) e Morse (2020), confiar apenas na saturação pode resultar em interpretações superficiais e perda de nuances importantes, afinal, a profundidade dos dados não vem do número de vezes que um conceito aparece, mas da riqueza da descrição e da capacidade do pesquisador de interpretar significados contextuais. Como ressalta Morse (1995):
“A riqueza dos dados vem da descrição detalhada, não do número de vezes que algo é mencionado.” (p. 148)
Ou seja, ao parar a coleta de dados apenas porque não há novos temas emergindo, o pesquisador pode perder camadas importantes de significado.
Críticas à dependência da saturação
Pesquisadores como Guest, Namey e Chen (2020) propuseram novas formas de avaliar a adequação da amostra, argumentando que a saturação por si só pode ocultar questões essenciais, como:
Qualidade dos dados – apenas porque um tema se repete não significa que foi suficientemente explorado.
Significado e contexto – em vez de focar no que é dito com frequência, o pesquisador deve buscar os significados mais profundos e menos óbvios.
Superficialidade na análise – parar a coleta de dados cedo demais pode resultar em um estudo raso e com conclusões limitadas.
Um exemplo prático desse dilema está no estudo de Braun & Clarke (2019), que ressaltam a importância da interpretação ativa dos dados. Eles afirmam que temas não surgem espontaneamente, mas precisam ser identificados e analisados criticamente.
A necessidade de uma abordagem mais criteriosa
Definir o tamanho da amostra em pesquisa qualitativa exige mais do que contar entrevistas até não surgir nada de novo. Como apontam Braun & Clarke (2019) e Morse (2020), o pesquisador deve considerar diversos fatores para determinar a quantidade ideal de participantes, como:
Objetivo do estudo – pesquisas exploratórias podem precisar de mais dados do que estudos com escopo bem definido.
Complexidade do fenômeno estudado – quanto mais complexo, maior a necessidade de diversidade na amostra.
Variabilidade dos participantes – quanto maior a heterogeneidade do grupo, maior a necessidade de captar diferentes perspectivas.
Além disso, Morse (2020) argumenta que a saturação pode limitar o aprofundamento, pois os pesquisadores podem parar cedo demais, sem considerar por que certas repetições acontecem. Em vez de encerrar a coleta, o pesquisador deveria perguntar: “por que esse padrão se repete?” - faz sentido, não?
Conclusão: evite uma abordagem mecânica para a saturação
O grande risco de depender exclusivamente da saturação na pesquisa qualitativa é tratar a coleta de dados como um processo mecânico, e não como uma busca ativa por significado.
Os artigos de Guest, Namey & Chen (2020), Braun & Clarke (2019) e Morse (2020) mostram que a qualidade dos dados é muito mais importante do que a quantidade de vezes que um tema se repete.
Em vez de se perguntar “quantas entrevistas são suficientes?”, o pesquisador deveria se perguntar:
- “Eu entendi esse fenômeno a fundo?”
- “Estou captando as nuances e os significados menos óbvios?”
- “O que estou analisando realmente acrescenta conhecimento ou apenas reforça padrões já esperados?”
A resposta para essas perguntas pode ser muito mais valiosa do que qualquer número pré-definido de entrevistas. Afinal, a pesquisa qualitativa não busca apenas informações – busca compreensão.
Referências
Braun, V., & Clarke, V. (2019). To saturate or not to saturate? Questioning data saturation as a useful concept for thematic analysis and sample-size rationales. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1704846
Charmaz, K. (2014). Constructing Grounded Theory (2nd ed.). Sage Publications.
Guest, G., Namey, E., & Chen, M. (2020). A simple method to assess and report thematic saturation in qualitative research. PLOS ONE, 15(5), 1–17. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0232076
Morse, J. (2020). The changing face of qualitative inquiry. International Journal for Qualitative Methods, 19, 1–7. https://doi.org/10.1177/1609406920909938
Morse, J. M. (2015). Critical analysis of strategies for determining rigor in qualitative inquiry. Qualitative Health Research, 25(9), 1212–1222.
Thorne, S. (2020). Beyond theming: Making qualitative studies matter. Nursing Inquiry, 1–2. https://doi.org/10.1111/nin.12343
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